terça-feira, 31 de maio de 2011

"Deus faz doçuras muito tristes."

(Clarice Lispector)


Saudade é ser, depois de ter." 
(João Guimarães Rosa)



Van Gogh
Hoje, mais uma vez, abri os olhos pela manhã com o pensamento nesses sete meses de ausência forçada, de pergunta abafada e ainda com uma incompreensão enorme dentro de mim. É difícil não ter essa primeira lembrança a cada dia. Não sei, ainda, se eu sonho e não lembro, e tudo o que se passou durante a noite emerge pela manhã, ou se os sonhos simplesmente desistiram de me invadir, e o pensar é fruto de uma reflexão constante. 

Eu primeiro xinguei, esperneei, me debati, chorei. Por meses. Como bem disse Caio Fernando Abreu, não adiantou - e não adianta. Há coisas que vão além da nossa natureza pesadamente humana. Então, respirei fundo. Tomei coragem.  Mesmo que ainda hoje uma pontada de dor me invada, que vez-em-quando os sentimentos presos no corpo insistam em transbordar, a névoa diante dos meus olhos começa a se desfazer para que eu perceba que o que ficou, na verdade, foi a melhor parte: a essência tão bem cultivada é o encantamento que me, e nos, modifica. 

Eu penso, depois de tudo, e de tanto, que o tempo não muda nada, mas a nossa forma de tentar ver e entender a ausência só se intensifica. A dor se transmuta, e cá dentro fica apenas algo de doce, de suave, mas que às vezes retoma a sua força aquietada. Mas o nó, aquele entre a boca e o peito, continua. 

Hoje, sete meses - sem. 


Eu hoje me forço a virar essa página já amassada de tanto ser lida e, por isso, marcada para sempre. Apesar dessa cicatriz, eu não sinto mais um vazio, uma falta de sentir, mas vontade de me renovar. Apesar da dor, respiração cada vez mais forte. Apesar desse turbilhão que ainda me afeta, eu continuo a caminhar. Apesar da lembrança... a lembrança.

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